terça-feira, 13 de outubro de 2009

Continuação...

Obter esse número era uma questão de dividir a linha de uma maneira especial: dividi-la em duas partes de modo que a razão da parte menor esteja para a parte maior assim como a maior para o todo, isto é:


Como 1 - V5 não é positivo, não fazia sentido para os gregos. Então,
é a razão de ouro.

Em palavras, figuras impregnadas de razão de ouro parecem mais agradáveis e mais belas. Ainda hoje, artistas e arquitetos utilizam intuitivamente a razão de ouro em seus projetos por saberem de suas qualidades estéticas. Mesmo a natureza parece ter a razão de ouro em seus projetos.


O pentagrama tornou-se o símbolo mais sagrado da irmandade pitagórica por ser repleto de razões de ouro nas divisões das linhas da estrela. Para Pitágoras, a razão de ouro era o rei dos números. A razão de ouro parecia provar a afirmação pitagórica da inseparabilidade da música, beleza, arquitetura, natureza e a própria construção do cosmos.

O zero não tinha lugar dentro desse modo de pensar pitagórico. A relação número-forma impediu que os gregos tratassem o zero como número. Afinal, que forma teria o zero? É fácil visualizar um retângulo de comprimento 2 e largura 3, mas um quadrado de lado zero.... Imaginar algo sem altura e comprimento é difícil. Imaginar algo sem área não tem sentido – o que acarretou na conclusão de que a multiplicação por zero também não fazia sentido, pois multiplicar dois números significava calcular a área de um retângulo. Como poderia ser feita essa conta com algo com comprimento zero e largura zero?

Por esse motivo o zero parecia não fazer nenhum sentido geométrico. Em virtude disso, para o incluírem, os gregos deveriam repensar sua forma de fazer matemática. Escolheram não fazer.

Mesmo que fosse um número no sentido grego, tomado numa proporção, o zero desafiaria a natureza. Uma proporção não seria mais uma relação entre dois objetos. A razão de zero por qualquer coisa seria sempre zero. E a razão de qualquer coisa por zero pode destruir a lógica matemática. O zero abriria um buraco na arrumada ordem pitagórica e, por esse motivo, não poderia ser tolerado.

Outra questão que atormentava a doutrina pitagórica eram os números irracionais. Pitágoras pregava que a natureza era regida pelos números racionais. Tudo poderia ser escrito sob a forma de a/b, onde a e b são números de contagem belos e arrumados. Contudo, uma das figuras mais veneradas por Pitágoras e seus seguidores era o quadrado. Associando seus 4 lados aos quatro elementos, simbolizava a perfeição dos números. Todavia, o irracional se fazia presente ao ser traçada a diagonal desta figura. Uma das primeiras demonstrações matemáticas foi a incomensurabilidade da diagonal do quadrado.

Isto significava dificuldades para a doutrina pitagórica. Como poderia a natureza ser governada por razões e proporções se algo tão simples como o quadrado confunde a linguagem das razões? Mas, os pitagóricos sabiam que isto era algo que não poderiam desconsiderar – consequência das leis matemáticas as quais tanto adoravam.

A irracionalidade era perigosa para Pitágoras, uma vez que ameaçava a base de sua razão-universo. Para a desgraça ser total, rapidamente os pitagóricos descobriram que a razão de ouro, o derradeiro símbolo pitagórico de beleza e racionalidade, era um número irracional. Para impedirem que esses números arruinassem a doutrina pitagórica, sua existência foi mantida em sigilo. Contudo, esse sigilo não duraria muito tempo devido as suas ocorrências e recorrências em qualquer construção geométrica.

Mesmo com a morte de Pitágoras, seus ensinamentos perduraram por dois milênios. O zero colidia com essa doutrina e, ao contrário dos irracionais que os gregos tanto relutaram, mas que acabaram mais tarde os aceitando, podia ser ignorado. A dualidade número-forma tornava isso fácil; com efeito, o zero não tinha forma. Logo não podia ser um número.

Porém, não foi o sistema numérico grego e nem a falta de conhecimento acerca do zero que impediram sua aceitação. Foi a filosofia. O zero conflitava com crenças filosóficas fundamentais do ocidente já que no zero, existiam duas idéias perigosas para a doutrina ocidental. A filosofia aristotélica, após seu longo reinado, acabou por ser destruída por esses conceitos. Essas idéias são o vazio e o infinito.

A doutrina pitagórica tornou-se a base principal da filosofia ocidental: todo o universo era regulado por frações e formas; os planetas moviam-se nas esferas celestes, que faziam música quando rodavam. Mas o que está por detrás das esferas? Haviam outras maiores ou a mais externa era o fim do universo? Aristóteles e os filósofos mais recentes insistiam em que não poderia existir um número infinito de esferas celestes uma dentro das outras. Com essa filosofia o ocidente não tinha espaço para a infinidade. Rejeitava-o abertamente. Na verdade, o infinito já tinha começado a corroer a filosofia grega, graças a Zenão de Eléia, o homem mais incômodo do ocidente.

Zenão nasceu por volta de 490 a.C.. Possuía um paradoxo matemático que parecia intratável para o raciocínio lógico grego. Afinal, Zenão havia provado o impossível.

De acordo com Zenão, nada podia se mover. Certamente, a sua afirmação é tola, bastando que alguém ande de um lado para o outro no intuito de negá-la. Contudo, ninguém conseguia encontrar uma falha no argumento de Zenão. Tinha encontrado um quebra-cabeça que atormentou os matemáticos por quase 2000 anos.

No mais famoso paradoxo, “Aquiles”, Zenão prova que o veloz Aquiles nunca consegue apanhar a lenta tartaruga. Coloquemos números no problema para entendermos melhor. Imaginemos que Aquiles corre a 1m/s, enquanto a tartaruga corre a metade dessa velocidade. Além disso, a tartaruga parte a 1 metro de distância à frente de Aquiles.

Aquiles apressa-se e, em 1 segundo, alcança o posto antes ocupado pela tartaruga. Mas, agora, a mesma já se encontra a meio metro na frente. Aquiles, em meio segundo, alcança a posição da tartaruga, que por sua vez já andou ¼ de metro. Em ¼ de segundo, Aquiles a alcança novamente, mas nesse tempo a tartaruga já está a 1/8 de metro distante de Aquiles. Assim sucessivamente. Não importa quão perto da tartaruga chegue Aquiles, pois no instante em que a alcança, esta já se moveu. A distância entre eles vai ficando cada vez menor, mas a tartaruga está sempre à frente.

No mundo real, não há dúvidas. Claramente, Aquiles ultrapassaria a tartaruga. Todavia, o argumento de Zenão parecia provar o contrário. Os filósofos daquela época foram incapazes de refutar o paradoxo, embora soubesse que a conclusão estava errada. A lógica, principal arma dos filósofos, parecia inútil contra o argumento de Zenão. Cada passo desse argumento parecia correto, como a conclusão poderia estar errada?

Os gregos ficaram perplexos, mas encontraram o cerne do problema: a infinidade. Zenão considerou o movimento contínuo e dividiu-o num número infinito de pequenos passos. E por haver infinitos passos, os gregos supuseram que a corrida continuaria para sempre, apesar dos passos se tornarem cada vez menores. Pensavam que a corrida nunca acabaria num tempo finito.

Os antigos não tinham instrumentos para lidarem com o infinito, mas os matemáticos modernos aprenderam a manejá-lo. O infinito pode ser dominado com a ajuda do zero. Equipados com essa matemática avançada, não foi tão difícil encontrar o “calcanhar de Aquiles” de Zenão.

No caso de Aquiles e a tartaruga, ocorreram adições de infinitas parcelas e acabou por obter-se um número finito, já que essas parcelas se aproximavam de zero. Essa aproximação para zero é necessária, mas não é suficiente para mostrarmos que essa soma infinita tendia para um número finito. Realmente, estamos adicionado as parcelas ½, ¼, 1/8, 1/16,... que tendem para zero. Os gregos por rejeitarem o zero não entendiam como essa corrida poderia ter um fim. Para eles, os números ½, ¼, 1/8, 1/16, ... não se aproximavam de coisa alguma: o destino não existe.

Já os matemáticos modernos sabiam que essa seqüência numérica tinha um limite: aproximavam-se de zero como limite. Exatamente esse motivo nos dá margem para dizer que a corrida tem um destino. E que destino é esse? Quanto tempo leva para chegar até o mesmo?

Não é tão difícil percebermos que a soma vai se aproximando do 2 devido às parcelas tenderem para zero. Para sabermos isso, basta fazermos subtrações de cada parcela da seguinte forma:

1 (2 – 1) = 1 ;

2 (1 – ½) = ½ ;

3 (½ - ¼) = ¼ ;

4 (¼ - 1/8) = 1/8 ; .....

Percebemos que a sequência formada pelas distâncias ainda não subtraídas também tendem para zero, o que mostra que essa soma realmente tende para 2.

Isto é, Aquiles percorre 2 metros até alcançar a tartaruga e o faz em 2 segundos.

Os gregos não conseguiram fazer todos esses cálculos matemáticos, pois não tinham o conceito de limite em virtude de não aceitarem o zero. Para os mesmos, as parcelas dessa série infinita não tinham um limite. Ficavam cada vez menores, mas não tinham um fim particular. Como resultado, os gregos não podiam manipular o infinito. Conheciam a existência do vazio, mas desconsideravam o zero como um número e recusavam-se a admitir a infinidade (sejam os números infinitamente pequenos ou os infinitamente grandes). Esta grande falha da matemática grega foi a única coisa que os impediu de descobrirem o cálculo.

O quebra-cabeça de Zenão jamais estaria desatado com a filosofia matemática grega. Afinal, a infinidade, o zero e o conceito de limite estão todos interligados. Com isso, os gregos estavam condenados ao fracasso, desprovidos dos conceitos apropriados. Nem ao menos Zenão tinha a resposta para seu paradoxo, e nem a procurava. Este apenas o servia em sua teoria filosófica de que o movimento era impossível; que mudança e movimento eram paradoxais.

Somado a isso, existia um grande conflito oculto sob a filosofia medieval. O sistema aristotélico era grego, mas a história judaico-cristã era semita (e os semitas não tinham medo do vazio). O próprio ato da criação saía de um vazio caótico, e os teólogos, como Santo Agostinho, que viveram no século IV tentaram explicá-lo de uma maneira satisfatória referindo-se ao estado anterior à criação como “um nada qualquer coisa”, que é o vazio no tocante à forma, mas ainda não é a verdadeira idéia do nada. O medo do vazio era tão grande que os sábios cristãos tentaram ajustar a bíblia de modo a corresponder a Aristóteles, em vez do contrário.

Por sorte, nem todas as civilizações tinham medo do zero.

Até o próximo capítulo.

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