quarta-feira, 30 de setembro de 2009

2.3 – O MEDO DO ZERO E SUAS PECULIARES PROPRIEDADES


Na matemática, a falta do zero na civilização egípcia foi muito prejudicial. Os egípcios lidavam com as frações, por exemplo, ¾ como a soma de ½ e ¼ , e não como a razão de 3 para 4 como vemos hoje. De fato, viam todas as frações como a soma de outras duas da forma 1/n (n inteiro, diferente de zero) – chamadas frações unitárias. Isso tornava o manuseio das frações no sistema egípcio (e grego) muito difícil. Com o zero, esse sistema torna-se obsoleto. Assim, no sistema babilônio, escrevia-se ¾ e ½ como 0,45 e 0,30, que representavam estas frações no sistema de base 60, respectivamente.

Contudo, tanto gregos como romanos mantiveram suas anotações do tipo egípcia ao invés de se converterem ao sistema babilônio. Entre gregos, isto aconteceu porque eles detestavam lidar com problemas relacionados ao infinito que apresentavam o seu contra-ponto no zero. Embora entendessem a utilidade desse número, esse sentimento tinha uma razão: o zero era perigoso, pois assim como o infinito, conduzia ao estudo de questões com implicações perigosas para a lógica e filosofia gregas.

Pode até parecer estranho ter medo de um número, mas o zero estava ligado intimamente com o vazio. Havia um medo primário do vazio e do caos. Os povos mais antigos acreditavam que, antes do universo se formar, apenas existiam o vazio e o caos. Os gregos preocupavam-se com isso, pois toda a sua filosofia era destinada a explicar o lugar do homem no universo, a ordenar o caos e a impedir que a desordem e o vazio reinassem mais uma vez, como no início dos tempos. O zero representava esse vazio.

Esse medo, porém, não se limitou apenas a uma questão filosófica complicada acerca do vazio. Repare que as propriedades numéricas do zero, relatadas a seguir, são completamente diferentes das propriedades dos outros números e, de certa maneira, contradizem a lógica comum. Para os antigos, as propriedades matemáticas do zero eram inexplicáveis e tão misteriosas como o surgimento do universo.

No sistema babilônico, o zero era o único dígito que não poderia ficar sozinho, por um bom motivo. O zero sozinho não se porta bem. Se adicionarmos um número a si mesmo, este, necessariamente, terá o seu valor alterado, isto é, um e um não é um – são dois; dois e dois são quatro. Mas zero e zero é zero. Este resultado viola o princípio básico dos números, chamado Princípio de Arquimedes que diz que, se adicionarmos uma quantidade a si própria um número de vezes suficiente, o resultado excederá em magnitude qualquer outro número. O zero recusa-se a ficar maior. Também recusa-se a tornar qualquer outro número maior. Se adicionarmos dois a zero, obteremos dois. O mesmo ocorre com a subtração. Ou seja, o zero não tem substância, porém, mesmo sendo insubstancial, ameaça minar outras operações fundamentais da matemática – a multiplicação e a divisão.

Na reta numérica, isto é, na representação geométrica dos números reais, a multiplicação pode ser entendida como um alongamento. Observemos a figura. É como se a linha numérica fosse um elástico com marcas. Multiplicar por 2 pode ser pensado como esticar o elástico por um fator 2 (a marca que estava no 1 agora está no 2). igualmente multiplicar por ½ é relaxar o elástico: a marca que estava no 2 agora está no 1, mas o que acontece quando se multiplica por zero? Qualquer coisa vezes é zero! Neste caso, todas as marcas se acumulam no zero! O elástico parte-se! A linha numérica colapsa!

Não existe maneira de corrigir esse desagradável acontecimento, motivado por uma propriedade do nosso sistema numérico: a propriedade DISTRIBUTIVA, que pode ser melhor entendida através do exemplo a seguir.

Uma loja vende pacotes com 3 cadernos e pacotes com 2 canetas. A loja ao lado vende um único tipo de pacote contendo 3 cadernos e 2 canetas. Logo, um pacote de cada tipo na primeira loja equivale a um pacotão da segunda loja. Com isso, comprar 5 pacotes de cada tipo na primeira loja é o mesmo que comprar 5 pacotões da segunda loja. Matematicamente: 5 x (2 + 3) = 5 x 2 + 5 x 3. Nenhuma novidade.

Ao aplicarmos esta propriedade ao zero, algo estranho acontece. Sabemos que 0 + 0 = 0. Portanto, multiplicar um número por zero é o mesmo que por (0 + 0). Assim, a x 0 = a x (0 + 0). Isto é, a x 0 = a x 0 + a x 0. Subtraindo-se a x 0 de cada lado, temos que 0 = a x 0. Acabamos de provar que qualquer número multiplicado por zero resulta em zero. Desta forma, este número reduz a reta numérica a um único ponto. Pode já estar parecendo que o zero é um número irritante, mas seu verdadeiro poder reside na divisão.

Todos sabemos que a operação inversa da multiplicação é a divisão. Isto é, tudo que a multiplicação faz, a divisão desfaz. Desse modo, como vimos que multiplicar por zero destrói a linha numérica, dividir por zero deveria conduzir ao processo inverso, isto é, reconstruí-la. Mas, não é o que acontece.

Vimos que 2 x 0 = 0. Portanto, temos de supor que (2 x 0) : 0 nos leva de volta ao 2. Igualmente, (3 x 0) : 0 nos levaria de volta ao 3. Assim sucessivamente. Mas 2 x 0, 3 x 0, 4 x 0, ... cada um é igual a zero. Por isso, temos que (2 x 0) : 0 é o mesmo que 0 : 0, da mesma forma temos (3 x 0) : 0 e (4 x 0) : 0. Logo, chegamos à conclusão mais apavorante de que 0 : 0 é igual a 2, e igual a 3, e igual a 4 ....., o que simplesmente não faz o menor sentido!

Outras coisas estranhas também acontecem. No caso de 1/0 a multiplicação deveria desfazer o que a divisão faz, isto é, (1 : 0) x 0 deveria nos levar de volta ao 1. No entanto, vimos que qualquer coisa multiplicada por zero e igual a zero! Não há nenhum número que multiplicado por zero dê 1 – pelo menos dentre os números que conhecemos até hoje.

Pior de tudo é que se, intencionalmente, dividirmos um número por zero, não somente a reta numérica é destruída, mas também o é toda a lógica matemática e, desta forma, conseguimos "provar" qualquer coisa no universo. Como exemplo para esta última afirmação, "demonstramos", seguindo os passos a seguir, que 1 + 1 = 1 ou 1 = 0. Vejamos:



Seja a = b = 1

1) Se a = b, então: ab = b²

2) Então: ab – a² = b² - a²

3) Logo: a (b – a) = (b + a) (b – a)

4) Simplificando: a = b +a 1 = 1 + 1 ou 1 = 0.



Ao dividirmos pelo fator (b – a), estamos dividindo por zero, o que faz com que a lógica matemática se perca e nos leve a um resultado absurdo.

Como vimos, há muito poder nesse simples número que veio a tornar-se a ferramenta mais importante da matemática. Mas, graças às ímpares propriedades matemáticas e filosóficas do zero, esbarraria na filosofia fundamental do ocidente.


contiunua...
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